sexta-feira, 10 de dezembro de 2021

Quero, gosto ou talvez não

Tenho fome da minha boca nos sulcos apertados e labirínticos das tuas famosas covinhas, no lusco-fusco onde as encontro.

Um lugar doce e esquecido que, talvez por ser obscuro e discreto, possa escapar aos olhares gulosos das outras, daquelas que te devoram em espírito ou de quem te petisca, de forma sub-reptícia, com aparente inocência e dedicação, ao de leve, em breves passagens… potencialmente perigosas.

Eu gosto de covinhas mas vou com pés de lã, para não acordar o trauma antigo, o medo das mulheres predadoras e o desejo enorme de liberdade, sem compromissos nem dependências emocionais. Faço-o sem pés, claro! É com a boca sôfrega ou com os dedos curiosos. 

Mas elas, sabendo que podem estar em risco se fizerem muito barulho por nada, pisam o chão sem tocar nelas, voando leves e inofensivas … pairando para te agradar. Acenando que sim às tuas recusas de algo mais… sabem que o doce tem ingredientes proibidos, não lhes tocam e fingem gostar. Só podem ser o que podem ser - nem monogâmicas nem dependentes …

Fingem passagens breves e descomprometidas, fingem que o salto para a cueca não tem grande significado. Dão beijos sérios, que apelidamos de vulgares holiwoodescos.

E as catatuas sobrevoam a casa com varanda e mar , quais gaivotas bonitas mas perigosas, avisando sempre com cuidado que estão de passagem e que mal passe a chuva arribam para longe e o Marinheiro não as verá para lá do horizonte. Ficará só, como diz que gosta mas não quer, gozando a paz do mar que se põe no fim da tarde, no horizonte , libertando-se do pó do afecto que algumas delas, por vezes deixam… suprindo o vazio e o silêncio, pelo prazer da espera de dias mais quentes em que virão refrescar o deserto. Logo, não se trata de vazio nem de solidão porque há sempre a promessa do regresso de mais calor, mais vozes, mais humanidade cheia …

É na esperança da espera, sentado quieto e indiferente, que está o segredo de uma vida-realidade cheia de mulheres, de coração com algo mais para dar…  

Lá no fundo ele sabe que, num porto seguro, há quem conheça as covinhas e delas extraia ouro.

Uma operação mineira desinteressada no metal nobre, porque mais nobre é o sentimento que a leva a garimpar … sempre mais fundo essa cova de prazer. 

Qual belo adormecido em fria solidão, talvez um dia seja acordado por quem se mostra “esquisita” mas pode ficar mais afoita e pode atacar em salto esfuziante … arrancando a roupa à dentada, com gritos e alegria. Ou talvez seja por outra, que em denguices de palavras numa língua  com açúcar, lhe deixe a roupa quieta mas lhe lambuze a mente, lhe encha a barriga com doces que colam … numa falsa peça de poesia soando a espiritual amor. Um perigo semelhante e pegajante. 

Exigência de fidelidade absoluta talvez caia por terra e ceda ..  caindo pontualmente na tentação da carne. É fácil aceitares e ires na onda da sua fome de dieta interrompida…

Porventura, no fim destas rodadas sucessivas de motivações  diferentes e assustadoras (todas legítimas) … sobram as covinhas a gritar por mim.

Descoberta para recreio pessoal e para ser partilhado. Talvez seja difícil partilhar esse gozo astrofélico. Incompreensível ! Donde vem o sabor - dos astros que se combinaram assim… A marmelada sabe sempre a marmelo e queres goiabada de vês em quanto. É um samba que anseias, intercaladamente com outras musicas, até talvez um samba do Cacém.  Para alegrar e diversificar tudo vale, para dar a virtual sensação de liberdade, de escolha e variação.

As covinhas podem esperar e adormecer … até uns lábios com fome as atacarem, roubando-as à pasmaceira ou ao gosto que as passantes alegres e estimulantes cobrem de indiferença sem nelas reparar.

Guarda-as bem… que eu trato de te fazer esquecer a prática de Copacabana e as viagens de mão dada numa excitante perspetiva de haver uma noite e uma cama intransponível…o sangue a ferver, a devaneios esperançosos… muita pica… e nada!

Não é preciso muito para eu forrar as covinhas que vou lamber, escavar e entontecer não tarda nada .É tudo tão simples, tão calmo e saboroso, a excitação nasce na terra … tal como as couves nascem no chão.

Ir às covas ou às couves é quase a mesma coisa.