terça-feira, 30 de março de 2021

Viver o Momento

O Carnaval é um dia... há que aproveitar!

Qualquer filosofia barata, qualquer livro de auto-ajuda, nos aconselha a viver o momento presente, com toda a intensidade e otimismo. Como se fosse o último dia da nossa vida. 

Mindfulness - Viver o aqui e agora!

Devemos esquecer o amanhã, preocuparmo-nos menos com o futuro, porque amanhã poderemos estar mortos ou cair-nos em cima uma qualquer desgraça.

Eu sei disso, mas não pratico!

O meu pessimismo persistente tende a criar mais facilmente cenários de medo, de uma hipotética hecatombe, de imaginar-me só, pobre, sem casa, abandonada pela família e pelos amigos, desligada de um ambiente de afectos, sem objetivos, sonhos ou projetos. Sou assim: negra... desiludida e confusa.

Na minha cabeça, imaginar um dia de amanhã com sol, é raro! O dia de amanhã - que contamina o de hoje pela aproximação do tempo - é quase sempre cinzento, assustador e sem esperança de melhoria . Tenho uma certa dificuldade em fazer planos de dias felizes, em olhar para a frente com esperança ou com ideias boas. Imaginar que um futuro radioso que me aguarda já ali ao virar da esquina, por sorte... sem eu ter de batalhar para o conseguir, não faz parte do meu processo mental de construção de uma narrativa prospetiva.

Não acredito em milagres, nem no destino.

Tudo o que consegui foi à custa de muito trabalho, com sacrifício do meu Eu, de ter de abdicar de momentos de lazer, de amores, de viagens , de pequenas/ grandes liberdades... de desistir de viver, enfim... Sempre achei complicado viver livre, ser dona de mim e capaz de influenciar o pequeno mundo que me rodeia.

Não tenho talento para ser feliz, sou uma falhada. Em termos de balanço vital, tenho a somar poucas conquistas, daquelas que são obtidas por mérito próprio. As que obtive, resultaram de (alguma) sorte, não contam para este currículo.

Tive dois filhos, não são mérito meu... nasceram e criaram-se sem que eu tenha feito muito por eles. Tive sorte, são relativamente saudáveis, inteligentes e têm bom caráter. São seres independentes e se saíram assim... é porque sim.

Pouco ajudei. Eles também não querem ajuda. Vivem as suas vidas. Agradecem o meu distanciamento. Por um lado é bom, não são “pedinchas”, por outro é mau : não querem a minha ajuda para nada.

E esta realidade, às vezes dói - pensar que sou dispensável, que eles negam a minha presença e apoio. Contudo, tenho de respeitar as suas opções. 

A culpa é minha certamente porque não consegui construir uma família coesa. E sobre este trauma nada posso fazer, até porque me habituei a ouvir durante quase 40 anos que sou uma inútil como esposa e mãe. Que sou responsável pelo problema do filho (apesar de ser genético e eu não saber lidar com a doença). Sinto-me implicitamente acusada de ser indiferente aos problemas do filho, pouco colaborativa com a filha, de ser incompetente como esposa-agente-de-viagens, organizadora de férias, eventos e remodelações domésticas. De ser uma nulidade em termos de decoração, conforto no lar e de ser má cozinheira . Esta é a lista de incompetências que esmagaram a minha vida, retiraram a alegria de viver, que me fizeram afastar da família mais alargada e de amigos.  Acresce talvez uma pequena qualidade: sou boa na cama (ou era) mas talvez demasiado boa... para um só uso.

Portanto, a minha única qualidade virou defeito.

Também tinha jeito para trabalhar. Mas agora já não tenho. Gastou-se o talento... passou o meu tempo.

Estou no fim da linha: as únicas duas coisas que podiam ser uma vantagem competitiva estão a deteriorar-se: fazer amor não é apreciado ... a concorrência faz melhor! Trabalhar não me deixam... quem supostamente veio para me ajudar, também faz melhor e não me deixa sequer dar um mísero contributo.

Conclusão;

- Tenho de deixar de me dar a quem não me ama e me usa com a indiferença de quem tem alternativas melhores e variadas;

- Tenho de me reformar e não trabalhar mais, naquilo que obviamente não sei ou que não está a resultar.

Está na altura de mudar de vida outra vez... 

A vida é feita por turnos, de mudanças... eu sei... mas agora   estou cansada e velha, com preguiça para novos desafios, mudnças, opções, decisões. Com preguiça e falta de impedância para ir procurar novos amigos e construir novos meios de afectos , de hobbies e alegrias.

Tento mentalizar-me de que o tempo do amor foi queimado por uma incendiária, que só desistirá quando eu arder e quando reduzida a cinzas, permita campo limpo para que ela possa reconstruir um ninho seu, sobre os escombros da minha ruína.  

Tem um otimismo, coragem e fantasia desmesurados... vai longe  É determinada, conseguirá um futuro radioso, com casa, carinho dinheiro, seguranca... e até merece, porque tem esperança, porque vive o dia presente como se fosse o último, porque acredita... acredita... acredita...  na Senhora de Fátima e em yemanjás, no Totoloto que há de sair, no príncipe encantado que está mesmo ali na volta do caminho para a levar, não num cavalo branco, mas numa linda bicicleta.

Eu até tenho melhores condições à partida - mas como sou negra, pessimista, impotente e insegura - não chegarei longe.

Se nem os meus filhos me querem... como posso esperar algo de mais alguém?  Se o amor de filho, tido por incondicional, me falha , o que posso esperar do afeto e do respeito de um homem que não me é nada?

Um homem que, por vezes, parece sorrir com um leve relampejo amoroso ou com um gesto de carinho mas que, na maior parte dos casos, age por oportunismo. Come o que há a jeito, sem muito primor na escolha ou no sabor, o que vem à rede é peixe e serve-se com mais ou menos sal, tudo marcha e alimenta...

Com gente desta, a única solução é viver o momento presente o melhor possível. Tentar ser feliz com o que se tem.

Hoje, vou esquecer as dores do passado e abrir um sorriso ao dia de amanhã - o dia da esperança de algo melhor. O sol nasce daqui a pouco e é nele que me quero concentrar ... ser feliz por um dia ... o resto não interessa.

Amanhã estaremos todos mortos ...

Hoje sou eu que canta e a bicicleta jaz moribunda no leito da sua inutilidade. Mesmo que o leito dos lençóis manche com o desespero de umas pernas abertas em nome de investimento futuro, o presente (lavado ou deslavado)... é meu!

E vou aproveitá-lo com o que tiver .