domingo, 29 de novembro de 2020

Ler ...

 

Renoir, Girl Reading, 1874

Ler é viver a cores!

É viver num mundo em que a nitidez é perfeita, em que tudo se entende como sendo a verdadeira cor que cada coisa tem, como o verdadeiro som que cada música ou voz emite.

A literatura é a realidade em estado puro, aquela que, mais tarde, a vida pessoal se encarregará de nos provar que é verdadeira. Se não no seu todo, pelo menos naquilo que se vier a cruzar com as nossas experiências, comprovando que existem mesmo, que existem para além do conhecimento que adquirimos nos livros, nas arte , na música, na filosofia... 

Menos nítidas na vida, as cores resplandessem quando constatamos que já tinham sido descobertas num livro.

Ler é viver por antecipação.

A leitura - sobretudo a poética - traz-nos do mundo um saber antes do tempo. 

Só mais tarde com o amadurecimento pessoal, com a reflexão e o saber... e com a leitura, claro, é que conseguiremos comprovar que aquela vivência, que nos acontece no presente, já foi vivida e descrita por alguém antes de nós.

Por isso, os clássicos são tão importantes, são eternos. Transportam a natureza humana em estado teórico, limpo e perfeito, referência que dará conforto à nossa vida imperfeita...

Dá sossego saber que antes de nós, séculos ou semanas atrás, já alguém sentiu o mesmo, e escreveu o que lemos hoje. Lemos... helás, já sabíamos! Estamos portanto à frente de quem não o faz tão bem, temos ferramentas de orientação para descobrir dentro de nós o mundo que já foi descoberto por outros... os muitos escritores e pensadores de quem bebemos e quem gostamos por nos serem iguais. Por nos terem preparado e precedido, dando-nos com a sua escrita e leitura a "endurance" necessária para enfrentar a vida mais seguros, calmos, felizes... e quiçá sábios... se lermos muito.

Ao contrário daquilo que muitos pensam, a ficção não é um campo da fantasia e de mentira que nos desfoca quando a vida diverge do modelo lido (sonhado, por vezes mal lido e empolgado). A ficção e o ensaio de séculos de pensadores/escritores que nos precederam são a “cama”, a nossa cama de leitura e conforto, onde acreditamos seguir com confiança. Porque esperamos do mundo aquilo que já lá está há séculos à nossa espera. 

A literatura não cria ilusões, nem fantasias exotéricas ou vãs. Cria verdade, é o caminho que vamos recorrer como familiar quando lá chegarmos. 

Ler é caminhar na direção da nossa casa futura, mais pobrezinha em lindas palavras e sonoras frases... mas mais rica porque a “ideia”, a substância que absorvemos da leitura, é bem mais valiosa.

É a nossa experiência vivida, a emoção ao vivo, a alegria, a tristeza, o amor-paixão, os afectos amigos sentidos na nossa pele ... muito depois de lidos no papel.

Felizes daqueles que lêem e encontram em cada dia o seu lugar dentro de uma página, no meio de uma linha da grande literatura e se acham abonados por isso. Porque nada é melhor que viver, desde que se tenha sabido antes pela literatura ou pelo saber antigo o que da vida nos espera.

Infelizes daqueles que não lêem porque também não pensam, esses não têm esperança de encontrar no caminho a tal frase do tal livro, a tal lenda antiga, não têm a possibilidade de reconhecer a tal bela flor que encontraram num jardim, sobre a qual nada leram, nada sabem. Infelizes os que não conseguem apreender na poesia a essência das palavras, naquilo que é verdadeiramente importante. Poderão estes reconhecer um amor-paixão, aos primeiros sinais, se nada sabem de Tristão e Isolda ou da Mariana do Camilo? Claro que podem, mas não é a mesma coisa! O amor vivido é único. Não é substituível pelo melhor poema ou romance, mas se a leitura do escrito comandar a leitura interior dos sentimentos que emergem, a explosão será total!

Livros para os confusos, precisam-se! Para que estes fiquem melhores, mais ricos e nunca jamais se sintam desiludidos, para que não digam que a vida lhes parecem pior do que o romance ou o filme. Só um mau livro ou uma má película pode trazer este desconsolo.

Porque ler é o melhor de tudo e logo a seguir, um pouco acima ou abaixo, vem a vida.

Se pudermos carregar a bateria  da literatura antes de sair de casa, se conseguirmos ver e sentir em abstrato as coisas que talvez nos venham a acontecer (ou talvez não) estaremos a antecipar a grande jogada da felicidade e a cantar vitória. Ou a entender melhor a derrota.

Eu encontrei em real o que li: sinto que sou igual, melhor ou pior, mais sensível ou se calhar mais trôpega do que aquela personagem Dostoiévskiana... que me foi apresentada num livro e que tanto me ajudou a ser o que sou. A ser melhor porque a leitura ou a compreensão dos símbolos anteriores a nós e que vão para além da escrita, são um trunfo para quem leu e por isso está à frente.

Á frente no caminho da vida real... limpa de fantasias romanceadas, de delírios espirituais, de sucedâneos religiosos ou meditações transcendentais... É o que acontece com os livros de auto-ajuda um bálsamo para algumas dores. Mas não são a pedra sólida do caminho que dorme sobre os livros. Dos bons. Não dos vendilhões de dançaria ilusória e desmoralizante...

Porque se lêem os clássicos e se representam as mesmas peças, ano após ano em todo o mundo, já pensaram?

Nem toda a leitura é fumo, nem ilusão de espetáculo tipo “André de Rieu”. Há sabedoria na literatura. Há vida antecipada que nos motiva a ir ver como é "na real". E quando a encontrarmos “em tons pastel” saberemos apreciar aquela que lemos em cores garridas nos nossos livros preferidos. 

Então a suavidade da cor e da emoção sabermo-nos-á melhor! Serão a paz do encontro que junta o livro amado com a vida ou com a pessoa amada (que é muito melhor em carne e osso do que em papel... se tivermos a sorte de encontrar alguém com alma!).

A literatura é o parente rico, o que não faz da vida o parente pobre, uma sua fraca e desiludida imitação! Pensar o contrário, é viver em permanente estado de ilusão fantasiosamente à espera de que o romance em papel tenha alma, corpo e pele de gente....


terça-feira, 10 de novembro de 2020

Amar como missão de vida

 

MEC - na última entrevista ao Expresso -  disse: amar pode ser apenas e por si só uma missão para uma vida!

Não sei se foram exatamente estas as palavras certas, mas foi este o eco que fez no meu coração . Amar como o único valor importante para conduzir uma vida, como o único objetivo porque vale a pena lutar, a única razão que leva a abrir um olho ensonado de manhã, ao mesmo tempo que, a custo, se põe o pé descalço na beira da cama e se faz um esforço inaudito para levantar, sair da cama, ensonada e trôpega.

Demasiado trôpega para pensar, demasiado lenta para trabalhar ao ritmo esperado de uma ex-profissional de sucesso. A urgência em acordar para mais um dia de trabalho, acaba por falar mais alto, mas é uma tortura para quem tem sono, um sono paralisante e cansado. Um sono estonteado, pedrado, acarretado de drogas anti insônias ou de insônias passadas a lutar, perante a evidência de que elas (as drogas) são necessárias... mas tentndo a todo o custo evitar.

O que tem isto a ver com o amor? Muito! Quem acorda com um objetivo, com o coração cheio do prazer da espera do amor, acorda senão mais leve, pelo menos, com um brilhozinho de alegria na alma, que justifica uma ida à casa de banho para lavar a cara com água fria. Para que o choque térmico traga a lucidez de encarar uma promessa de alegria e dissolva o sono. Para que o novo dia não seja o prolongamento da angústia ensonada da noite, mas antes uma brisa de suspeita de algo mais...  da emoção de um amor sonhado, vivido, inventado, real , longínquo ou passado ... que talvez exista, sei lá ! Existe real ou virtualmente e vai trazer sol no coração... que nos transporta para a esperança, para a busca, para a imaginação ... que procura modos de encontro, com a certeza de que, por mais complexo que possa ser , haverá um caminho , um esquema rebuscado para comunicar, ver, apalpar, sentir sem toque, olhar, mergulhar na mente... e fazer tantas coisas que só o amor nos permite engendrar! 

É preciso é haver amor, que exista um qualquer ser que nos ame - com ou sem reciprocidade - que torne a vida na tal missão, a única porque vale a pena viver e acordar feliz em cada dia.

Pode ser o amor a uma causa, a um projeto... ou a uma pessoa especial.

Pode ser tudo, desde que lhe chamemos amor.

Pode ter nascido de uma paixão avassaladora, de um delírio louco, pode ser uma amizade especial, pode ser um cabaz de afectos, um depósito de intimidades... vale tudo, chamemo-lhe qualquer nome.

Amor é Todos Os Nomes. É o tudo universal que nos mantém vivos a sorrir, quentes no inverno, na velhice, na pobreza ou na doença. Estas últimas partes são desejavelmente dispensáveis, mas existem... e o Amor aguenta-se.

Triste de quem nunca se apaixonou e perdeu a chance maravilhosa de perceber que amar pode ser uma missão gratificante e total, pode ser A Missão! 

Estou velha -  oficialmente daqui a dias - na prática, estou velha desde a última vez que perdi uma paixão-amor, suave e doce! Estou velha mas não atrasada, estamos sempre a tempo de amar e ser amado.Todos nós, sem idade, sem pressa e sem prazo.

Para além das perdas e dos equívocos, continuo a amar e a sentir-me amada, feliz por espalhar alegria e conforto a todos os meus amantes reais, virtuais, irreais, fantasmagóricos ou mesmo os equivocados, os frios e os descrentes nesta causa, que se têm cruzado comigo nos últimos anos. Todos transportam ou buscam esse elixir que os pode transformar em agentes secretos da tal missão espantosa - 007 Ordem Para Amar!