sexta-feira, 28 de fevereiro de 2020

Um beijo cura?



Pediram-me um beijo. O que fazer?
Como se um beijo fosse remédio para uma carência da alma! Se assim fosse... O perigo é que pode vir a ser o início de uma infeção viral, de consequência imprevisíveis? E não falo desse vírus da moda, mas daquele que gosta de almas... desprotegidas, desprevenidas, expetantes e frágeis.
Porque há beijos e beijos e nunca sabemos o que fazem com eles aqueles a quem os damos e também não podemos prever como ficamos depois de os dar...
Não valem para aqui os beijinhos sociais nem a ternura familiar, os repenicados beijos dados a bébes e os mais fugidios dos filhos a crescer e a descartarem-se das lamechices maternas.
Falo dos outros, dos beijos adultos. Existem de todos os tipos: desde coraçõeszinhos inofensivos do Valentine até aos igualmente icócuos beijos à Hollywood. Há os nossos e há os deles...
Pois são os nossos que interessa entender:  saber porque os damos ou recebemos faz toda a diferença e ajuda a perceber o lugar que ocupamos no nosso percurso de vida ou na vida dos outros.
Por que há quem receba beijos sem o querer (ou merecer) e quem não receba e queira mais.

Pediram-me um beijo. O que fazer?
Fugir a correr? Ter medo e não querer? Ir em frente, porque afinal não é o abismo, nem nada de mal pode acontecer.
O beijo pertence a quem o dá ou a quem o recebe?
Sinto que não é de ninguém, apenas uma bolinha que gira num circulo, quando posto a rodar, tal como o afecto que nasce do sol e do nada. Tal como o desejo, que vem da noite escura, dos seus terrores, da solidão pressentida, dos sonhos vividos e que se quer repartir.


Tal como tudo o que é leve e nos enche como chumbo, é inútil e desejado, terreno e étereo, tudo e nada...

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2020

Eu...(ela)


Pintura de Espiga Pinto

EU
Eu sou a que no mundo anda perdida,
Eu sou a que na vida não tem norte,
Sou a irmã do Sonho, e desta sorte
Sou a crucificada … a dolorida …
Sombra de névoa tênue e esvaecida,
E que o destino amargo, triste e forte,
Impele brutalmente para a morte!
Alma de luto sempre incompreendida!…
Sou aquela que passa e ninguém vê…
Sou a que chamam triste sem o ser…
Sou a que chora sem saber porquê…
Sou talvez a visão que Alguém sonhou,
Alguém que veio ao mundo pra me ver,
E que nunca na vida me encontrou!
Florbela Espanca