sexta-feira, 22 de setembro de 2017

A Minha Insónia e Eu





Desatinas-me! 
A insônia instalou-se no seu tempo e no seu espaço habituais. A insônia chegou depois de ti, veio ocupar o vazio, veio para o seu lugar costumeiro. Talvez sempre cá tivesse estado, desde o princípio da história, muito antes de ti, muito antes de alguém, simplesmente porque eu deixei que ela viesse um dia, simplesmente porque eu desatinei ... sem causa ou com outra qualquer causa, que não aquela que invoquei. Injustamente, é provável. 
Mas é preciso corporizar uma causa para que as coisas façam sentido, para que o mundo pareça mais real. Mesmo que o “tu” não exista, é bom encontrar um sujeito para cada verbo, para que as ações dos sujeitos não pareçam estranhas, virtuais, inexistentes. Frases de sujeito indeterminado existem, pois claro. Mas é uma angústia não saber a origem das coisas. Seria uma espécie de processo judicial “contra incertos”...

A  insónia, que provavelmente já cá estava, teve a discrição e o bom senso de esperar por mim, de aguardar que eu ficasse só para reocupar o seu posto. Apenas teve de esperar que abalasses do meu ouvido... Pois o lugar da "minha" insônia é dentro de mim. Somos íntimas. Reencontramos-nos regularmente na noite solitária.

Por vezes afasta-se ...

Quando tu vens – sob a forma de som ou de matéria - ela afasta-se, espera na sombra a sua vez de aparecer. Acho que a minha insônia não gosta de ti, prefere a minha pessoa sem ti ...talvez seja ciumenta. ...

Quando me abandonas na noite, quando a distância real entre nós iguala a pressentida...  ela vem! Sim, porque enquanto o som da tua voz está comigo, a distância  entre nós é zero apesar dos muitos km que nos separam e, então, todo o espaço parece habitado.

Depois vem o silêncio, a seguir a solidão ou vice versa, tanto faz. E a insônia instala-se comodamente a gozar comigo.

Ri-se de mim, eu sei. Fecho os olhos e enterro os ouvidos na almofada para não a aturar, é uma parva. Só diz coisas inconvenientes que não me agradam. Faço de conta que não ouço, porque se ouvisse teria de concordar com ela e não me apetece. Ela tem razão quando me sussurra que a parva sou eu, que te dou ouvidos e não durmo. Que dou ouvidos a muita gente e não durmo. Que me preocupo com os outros e não durmo. Que os outros são demais e não me ligam, logo não me merecem – nem a mim e muito menos à estúpida da minha insónia.

Não obstante, acabo por ficar com ela. Fico com a insônia ... ficamos as duas a jogar as cartas até tarde. Por vezes, até fazemos lanchinhos quando a fome aperta, pela noite dentro.
Para ali ficamos, nós duas mais uma música de fundo que toca baixinho... a tua voz atravessada pelas palavras não ditas. A música que ouço é a não tocada... o cante não acontecido, mas desejado.

Atravessada, atarantada...uma música sem melodia. Queria melodia que não veio, queria muito ... mas não havia? Nunca houve melodia na tua voz? Fui eu que sonhei? 
Merda! Não me apetece nada perceber que me enganei. Reconhecer que não existe um trinado dos passarinhos, um acorde angelical .. nessa música que anseio. Nem quero pensar que a música é afinal e tão só: vazio! Que é produto de um sintetizador eletrónico sem alma, de robot que deu a alma e já não canta... Ou que canta num outro poleiro, mas não para mim.

Resta-me o som das palavras sem melodia, resta o sofá ... que está pronto, preparado para a querida insônia se deitar e se enrolar comigo, sem jeito nem graca. Sem amor, pois! Porque nisso vocês são parecidos , a insônia e tu ... quando um sai, o outro entra e vice versa. E ambos não respondem ao meu desejo de um pouco mais ... de qualquer coisa. Esse mais que alguém já terá? Talvez sim, talvez não... pouco me importa os outros. Eu e a minha insónia é que queremos ser felizes! Longe uma da outra ... bem entendido! Pouco me importa saber para onde foi o teu cante, pouco me importa que tenhas dado a tua melodia - feita som, feita matéria - porque suspeito que ela é fraca, fraquíssima, uma coisa meio pobretanas que dá pelo nome de "cárinho".

Carinho é um bom antídoto contra a insônia, mas é pouquinho.

Quero mais!